sexta-feira, 4 de junho de 2010

Fera amansada

Taming the tiger

Autobiográfico ao ponto do delírio, Taming the tiger retoma o convívio de Joni Mitchell com a indústria musical que ela diz detestar. Como sempre, o ponto de partida é a vida que surge como ponto de partida para a composição, mas a vida encarada como ‘história’, ou seja, ficção. Só assim se compreende que a canadiana que recentemente integrou digressões com Bob Dylan e Leonard Cohen junte na sua escrita a figura da mãe asfixiante (“Face lift”) ou os remorsos por ter posto na rua o seu gato depois de este começar a «agir como um animal» e a urinar por toda a casa (“Man from Mars”), passando apenas ao de leve, em “Stay in touch”, pelo reatamento de relações com a sua filha Kilauren, após 35 anos de separação.
Mas Taming the tiger é também o espaço de abertura à «inspiração divina» e de experimentação com um novo modelo de guitarra electrónica que lhe permitiu abrir o leque de sonoridades, aproximando-se de um disco como Wild things run fast, por sinal dos mais fracos e comerciais da sua discografia, com a diferença de que, neste seu novo trabalho, Joni Mitchell «domesticou o tigre», ou seja, a indústria, recusando, em definitivo, qualquer tipo de facilidade, para se dedicar em exclusivo ao inventário das suas experiências pessoais.
Repartindo a sua intervenção pela já citada guitarra, pelos teclados e, ocasionalmente, pelas percussões, dispensando em muitos casos o tradicional acompanhamento de baixo e bateria, Joni Mitchell aposta num som em suspensão que depende dos tapetes de sintetizador e do fraseado, mais afirmativo, do saxofone de Wayne Shorter. As dúvidas instalam-se no modo como toda a lógica pessoal de Joni Mitchell dependeu sempre de um conjunto de regras que começam e acabam no carácter único das vocalizações e que, em última análise, se fecharam sobre si próprias. Taming the tiger afirma-se, deste modo, ‘apenas’ como mais um bom disco da compositora, valor seguro mas incapaz de provocar surpresa ou inquietação. Excelente continua a ser a sua evolução como pintora, revelada na série de quadros reproduzidos na capa, na sequência do que já acontecera com o anterior Turbulent indigo.

(Fernando Magalhães, Fera amansada, in Público - Sons [Portugal], 09-10-1998. A publicação deste texto insere-se na política Fair use.)

Shadows and light

Shadows and light

Sombras e luz. Cegueira e visão. A imagens iniciais mostram James Dean em frente a uma televisão. Imagens extraídas de Fúria de viver, de Nicholas Ray. «Todos os quadros têm sombras e alguma fonte de luz.» Joni Mitchell, recorde-se, desenha e pinta, para além de cantar. Sugere-se um universo pictórico que afinal nunca se chega, neste vídeo, a concretizar.
Filmado e gravado em 1980, Shadows and light centra-se numa actuação ao vivo da cantora canadiana, aqui acompanhada por uma formação de luxo constituída por Pat Metheny (guitarra), Jaco Pastorius (entretanto falecido, baixo), Michael Brecker (saxofone), Don Alias (bateria) e Lyle Mays (teclados).
Ao prazer musical proporcionado pela excelência dos intérpretes e ao reencontro com as palavras que Joni Mitchell, como poucas, tão bem sabe manejar, pouco mais há a acrescentar. Em termos visuais, aparece um coiote a correr desalmadamente pela neve, durante a interpretação de “Coyote”, do álbum Hejira. É muito pouco para uma obra (também) visual, da parte de uma mulher perita em mover-se no universo das imagens. Poderá encontrar-se justificação na tentativa de concentrar todas as atenções na música, mas para isso já existem os discos. Resta então apreciar o rosto luminoso e, nessa época, os caracóis da autora de obras fundamentais como The hissing of summer lawns, Don Juan’s reckless daughter e Mingus, ilustrativas da fase mais jazzística, seguindo uma linguagem que viria a revelar-se ideal para as sinuosidades e diversidade de registos característicos de uma voz e estilo inconfundíveis. Procurem-se aí a luz e sombras a que o título alude.

(Fernando Magalhães, Shadows and light, in Pop-Rock [Portugal], 13-02-1991. A publicação deste texto insere-se na política Fair use.)

Court and spark, Poster de promoção

Court and spark, Poster de promoção

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Regresso a casa


Um caso de classe e distinção.
Não fora o lamentável equívoco de Dog eat dog (acesso tardio de comercialite aguda) e seria caso para se dizer que Joni Mitchell nunca erra. Com Night ride home não só não erra como acerta em cheio no alvo. Digamos que a cantora canadiana consegue aqui conciliar a extrema simplicidade dos arranjos com as típicas sinuosidades de um estilo vocal e composicional muito próprio, sem perder de vista uma acessibilidade que não envolve qualquer tipo de concessões.
Longe vão os tempos do jazz, de Mingus e Don Juan’s reckless daughter, ou os labirintos estruturais de The hissing of summer lawns. De regresso à serenidade e ao tom acústico da fase inicial, aquela que culmina em For the roses, ou, já num período de transição, em Court and spark. Night ride home flui com a facilidade das águas de um rio antigo, até ocupar o lugar exacto num universo pacientemente construído, a que se acede sem pressas nem escusadas violências. Joni Mitchell nunca foi, de resto, mulher de perder a cabeça. Mas, se, na aparência, se pode falar em termos de regresso, Night ride home representa, além de tudo o mais, a maturidade e a depuração de um estilo.
Se, por vezes, o seu modo de cantar pareceu difícil e a sua poesia demasiado obscura, agora a música revela-se com a limpidez e o brilho de um diamante perfeitamente lapidado. Entre o som dos grilos numa noite de Verão, de “Night ride home”, e o tom sombrio e despojado de “Two grey rooms”, Joni Mitchell vai aos poucos desvelando o seu universo pessoal, através da poesia e de uma voz que, como em “Passion play”, nos toca como o veludo sobre a pele.
Momentos trágicos, pontuados pelas explosões surdas dos timbalões orquestrais, em “Slouching towards Bethlehem” (baseado no poema “The second coming”, de W. B. Yeats). Momentos mágicos, vividos na Itália de Botticelli e Fellini, trazidos pelos ventos quentes do oboé que a própria Joni toca. Brilho cintilante ainda nas percussões de Alex Acuna, ao longo de todo o disco, e no saxofone de Wayne Shorter, em “Cherokee Louise” e “Ray’s dad Cadillac”. Depois do regresso, de novo a partida.

(Fernando Magalhães, Regresso a casa, in Pop-Rock [Portugal], 27-03-1991. A publicação deste texto insere-se na política Fair use.)

Joni Mitchell e Janis Joplin, por Kate Walsh

Gosto da Joni Mitchell e da Janis Joplin por diferentes razões. A Janis Joplin era uma performer apaixonada, teve uma vida tão problemática e parecia sempre lançar tanta energia e raiva através das suas canções e concertos. Acho que esse tipo de ligação que uma pessoa pode ter com a música de uma forma tão natural valerá sempre a pena ser recordada. Em relação a Joni Mitchell, adoro-a porque seja lá o que for que ela escreve, seja sobre arrependimento, amor, perda, alegria ou raiva, parece sempre cantar directamente do coração, e é honesta sobre aquilo que escreve. A sua bela voz e as suas letras serão sempre intemporais para mim.

(André Gomes, Kate Walsh, As canções do parque, in Bodyspace [Portugal], 31-01-2005. A publicação deste texto insere-se na política Fair use.)

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Joni Mitchell, agarrando tigre à unha

Pois é, eu vi. E ver Joni Mitchell ao vivo não era um sonho, mais o sonho de um departamento fundamental da minha vida, o de ouvinte.
Os reclames diziam, «Only one day, Bob Dylan and Joni Mitchell, don't you dare miss it», como eu poderia resistir? Viajar para ver Joni e ter que levar no pacote Bob Dylan não se pode chamar de sacrifício.
Cadeira de pista. Binóculo. Máquina fotográfica ruim, com filmes sensíveis e insensíveis. As luzes se apagam e uma voz de americano convida, «Ladies and gentlemen, welcome Joni Mitchell»... Quase fechei os olhos de nervoso, quase gritei de emoção, mas precisava equilibrar o binóculo e, antes dele, meus olhos já transbordados pela imagem que meus ouvidos já conheciam tão bem. Chorei sim, pronto falei, mas nenhum americano viu! Ela adentra o palco do famoso estádio sozinha, com sua guitarra em punho e é recebida de pé por seu público (ou seria o de Bob?). Que alívio, Joni existe. Abre o show com “Big yellow táxi”, sucesso de seu terceiro disco, Ladies of the canyon (1970). Chama então sua banda de quatro músicos, entre eles o ex-marido, Larry Klein.
As afinações abertas e incomuns sempre foram características que a diferenciaram muito na hora de compor e assinar sua sonoridade. Suas canções, mesmo as de mais fácil assimilação, passam longe do banal ou previsível. Ama música. Detesta, abomina mesmo, o contexto que envolve a música. Os anos oitenta, segundo entrevista recente, foram terríveis para ela, por isso mesmo cogitou seriíssimamente a possibilidade de parar de vez e se dedicar à pintura que, por incrível que pareça, foi sua paixão primeira, inclusive várias capas de seus álbuns foram e continuam sendo reproduções de suas pinturas. Surpreendentemente revela que seu (re)entusiasmo pela produção musical, se deveu muito ao fato de ter sido apresentada ao sintetizador VG 8 (virtual guitar), da Roland, que a vi usando no show. Acoplado à uma guitarra, lhe permite programar digitalmente as afinações, tornando fácil o que era motivo de caos, mudar as afinações apertando apenas um ou dois botões.
Deleite total quando tocou “Just like this train” e “Free man in Paris”, do antológico Court and spark (1974), sem falar na comoção de poder ouvir ao vivo “Amélia”, antes registrada em show (Shadows and light, 1980), por ninguém menos que Jaco Pastorius, Pat Metheney, Michael Brecker, Don Alias e Lile Mays, ufa, essa quase me matou.
A voz está mais grave, já não se ouve aquele pássaro cristalino dos álbuns Clouds [1969] ou Blue [1971], acredito que um pouco pelo tempo, um pouco pelo cigarro, mas o timbre e a personalidade estão presentes, sempre acompanhados de muita consciência e sensibilidade musical raras. Não me bateu aquela melancolia que eu sinto, quando ouço um intérprete que já não conhece a voz que tem e tenta evocar o passado inutilmente. Joni continua sendo um instrumento ela mesma. Cantou “Sex kills” e “The Magdalene laundries”, do penúltimo e elogiado Turbulent indigo (1994, vencedor de um Grammy), “Night ride home”, que é título de um outro álbum e algumas do mais recente, Taming the tiger [1998], sofisticadas e cheias de opiniões contundentes, ela mesma já declarou, «todos os meus álbuns são catárticos». Dizem que este «tigre» a que ela se refere é justamente este contexto nada artístico que ronda a música. Mídia, mercado, pré-conceitos e artificialidades.
Para o bis, volta de novo sozinha e canta seu hino “Woodstock”, conhecidíssima também pela gravação de seus companheiros de geração, Crosby, Stills, Nash and Young, no álbum Déjà vu [1970], acompanhada de aplausos e palavras de ordem após cada verso. Comovente, inesquecível.
Não quero mentir, lá no fundo acalentava o desejo de ouvir um certo violão de aço, mas a voz, a presença, harmonias, letras e humanidades de Joni preencheram todos os vazios das minhas expectativas, «God only knows...» «O que não te mata, te fortalece». (J.M.)
Joni está inteira, bem viva e sua música será forte pra sempre.

*Ah, o Bob Dylan! Competentíssimo, delicioso, ele era, na verdade, a atração principal da noite e tenho uma declaração bombástica a fazer, quando canta em casa, ele até sorri!

(Zélia Duncan, Joni Mitchell, agarrando tigre à unha, in Jornal do Brasil [Brasil], 12-1998. A publicação deste texto insere-se na política Fair use.)

sábado, 22 de maio de 2010

Semana Joni Mitchell

For folk’s sake: Joni Mitchell Week
O webzine estadounidense For folk’s sake, dedica esta semana à cantora e compositora Joni Mitchell. Encontram-se já disponíveis textos sobre os álbuns Clouds, Blue, For the roses e Both sides now; e outros de âmbito mais diverso.

domingo, 25 de abril de 2010

Joni Mitchell sobre Bob Dylan: «É um plagiador e o seu nome e voz são falsos»

Numa entrevista polémica, a artista canadiana também não tem problemas em deitar cá para fora as suas opiniões pouco positivas sobre Janis Joplin ou Madonna.

Joni Mitchell disparou em todas as direcções numa entrevista que deu ao LA Times esta semana. Em declarações sobre Bob Dylan que prometem gerar polémica, a cantora canadiana disse: «Somos como a noite o dia, eu e ele. O Bob não é minimamente autêntico. É um plagiador e o seu nome e voz são falsos. Tudo no Bob é uma decepção.»
Como se não bastasse, a artista que sofre de Morgellons, uma doença rara (segundo os médicos norte-americanos, é uma doença do foro psiquiátrico), resolveu ainda dizer que Janis Joplin dormia com «a banda inteira» e estava sempre a «cair de bêbeda» e que Madonna marcou a passagem para uma era em que os «Americanos decidiram ser estúpidos e fúteis». O elogio que sobrou foi direito a Jimi Hendrix: «Era um homem muito querido.»
Apesar de se sentir melhor neste momento, Mitchell falou sobre a sua rara doença de pele e assumiu que pode vir a desistir da música para tentar mudar as consciências e opiniões das pessoas sobre o síndrome de Morgellons. «É uma doença estranha e incurável que parece vir de outro planeta. Fibras de diferentes cores são expelidas pela minha pele como cogumelos depois de uma chuvada.»
«Na América, os médicos mandam-nos para um psiquiatra. Estou a tentar abandonar o negócio da música para tentar conseguir que as pessoas que sofrem de Morgellons recebam a credibilidade devida», concluiu a cantora.

(Mário Rui Vieira, Joni Mitchell sobre Bob Dylan: «É um plagiador e o seu nome e voz são falsos», in Blitz [Portugal], 23-04-2010. A publicação deste texto insere-se na política Fair use.)

domingo, 3 de janeiro de 2010

Chris Botti

Chris Botti, trompetista que acompanhou Joni Mitchell em 1988, fala sobre, entre outras coisas, como foi andar em digressão com Sting e Miles Davis, e ainda sobre um sake que tomou com Joni às quatro da madrugada.