sexta-feira, 28 de maio de 2010

Joni Mitchell, agarrando tigre à unha

Pois é, eu vi. E ver Joni Mitchell ao vivo não era um sonho, mais o sonho de um departamento fundamental da minha vida, o de ouvinte.
Os reclames diziam, «Only one day, Bob Dylan and Joni Mitchell, don't you dare miss it», como eu poderia resistir? Viajar para ver Joni e ter que levar no pacote Bob Dylan não se pode chamar de sacrifício.
Cadeira de pista. Binóculo. Máquina fotográfica ruim, com filmes sensíveis e insensíveis. As luzes se apagam e uma voz de americano convida, «Ladies and gentlemen, welcome Joni Mitchell»... Quase fechei os olhos de nervoso, quase gritei de emoção, mas precisava equilibrar o binóculo e, antes dele, meus olhos já transbordados pela imagem que meus ouvidos já conheciam tão bem. Chorei sim, pronto falei, mas nenhum americano viu! Ela adentra o palco do famoso estádio sozinha, com sua guitarra em punho e é recebida de pé por seu público (ou seria o de Bob?). Que alívio, Joni existe. Abre o show com “Big yellow táxi”, sucesso de seu terceiro disco, Ladies of the canyon (1970). Chama então sua banda de quatro músicos, entre eles o ex-marido, Larry Klein.
As afinações abertas e incomuns sempre foram características que a diferenciaram muito na hora de compor e assinar sua sonoridade. Suas canções, mesmo as de mais fácil assimilação, passam longe do banal ou previsível. Ama música. Detesta, abomina mesmo, o contexto que envolve a música. Os anos oitenta, segundo entrevista recente, foram terríveis para ela, por isso mesmo cogitou seriíssimamente a possibilidade de parar de vez e se dedicar à pintura que, por incrível que pareça, foi sua paixão primeira, inclusive várias capas de seus álbuns foram e continuam sendo reproduções de suas pinturas. Surpreendentemente revela que seu (re)entusiasmo pela produção musical, se deveu muito ao fato de ter sido apresentada ao sintetizador VG 8 (virtual guitar), da Roland, que a vi usando no show. Acoplado à uma guitarra, lhe permite programar digitalmente as afinações, tornando fácil o que era motivo de caos, mudar as afinações apertando apenas um ou dois botões.
Deleite total quando tocou “Just like this train” e “Free man in Paris”, do antológico Court and spark (1974), sem falar na comoção de poder ouvir ao vivo “Amélia”, antes registrada em show (Shadows and light, 1980), por ninguém menos que Jaco Pastorius, Pat Metheney, Michael Brecker, Don Alias e Lile Mays, ufa, essa quase me matou.
A voz está mais grave, já não se ouve aquele pássaro cristalino dos álbuns Clouds [1969] ou Blue [1971], acredito que um pouco pelo tempo, um pouco pelo cigarro, mas o timbre e a personalidade estão presentes, sempre acompanhados de muita consciência e sensibilidade musical raras. Não me bateu aquela melancolia que eu sinto, quando ouço um intérprete que já não conhece a voz que tem e tenta evocar o passado inutilmente. Joni continua sendo um instrumento ela mesma. Cantou “Sex kills” e “The Magdalene laundries”, do penúltimo e elogiado Turbulent indigo (1994, vencedor de um Grammy), “Night ride home”, que é título de um outro álbum e algumas do mais recente, Taming the tiger [1998], sofisticadas e cheias de opiniões contundentes, ela mesma já declarou, «todos os meus álbuns são catárticos». Dizem que este «tigre» a que ela se refere é justamente este contexto nada artístico que ronda a música. Mídia, mercado, pré-conceitos e artificialidades.
Para o bis, volta de novo sozinha e canta seu hino “Woodstock”, conhecidíssima também pela gravação de seus companheiros de geração, Crosby, Stills, Nash and Young, no álbum Déjà vu [1970], acompanhada de aplausos e palavras de ordem após cada verso. Comovente, inesquecível.
Não quero mentir, lá no fundo acalentava o desejo de ouvir um certo violão de aço, mas a voz, a presença, harmonias, letras e humanidades de Joni preencheram todos os vazios das minhas expectativas, «God only knows...» «O que não te mata, te fortalece». (J.M.)
Joni está inteira, bem viva e sua música será forte pra sempre.

*Ah, o Bob Dylan! Competentíssimo, delicioso, ele era, na verdade, a atração principal da noite e tenho uma declaração bombástica a fazer, quando canta em casa, ele até sorri!

(Zélia Duncan, Joni Mitchell, agarrando tigre à unha, in Jornal do Brasil [Brasil], 12-1998. A publicação deste texto insere-se na política Fair use.)

sábado, 22 de maio de 2010

Semana Joni Mitchell

For folk’s sake: Joni Mitchell Week
O webzine estadounidense For folk’s sake, dedica esta semana à cantora e compositora Joni Mitchell. Encontram-se já disponíveis textos sobre os álbuns Clouds, Blue, For the roses e Both sides now; e outros de âmbito mais diverso.